Vestir é político
Por Ludimila Coelho e Clara Xisto
Apesar de ser vista como algo fútil e superficial por aqueles que nunca se aprofundaram, ou se interessaram pelo assunto, a moda sempre teve o poder de representar o mundo em que está inserida. Moda é arte, é história e é política.
O intuito dessa matéria é mostrar como ela pode ser um ato político, para isso, escolhemos alguns exemplos e vamos apresentá-los em ordem cronológica para um maior entendimento.
Maria Antonieta
O primeiro exemplo não poderia ser outro, além da rainha mais famosa que a França já teve: Maria Antonieta, que até hoje inspira estilistas com o seu estilo e personalidade. No filme que leva o nome da rainha, dirigido por Sofia Coppola, ela é vista como uma jovem fútil que apenas ligava para roupas e festas. Mas o que muitos não falam é sobre como as roupas que Maria Antonieta usava eram motivo de incômodo na época, já que até então as rainhas tinham que viver longe dos holofotes, e as roupas extravagantes escolhidas pela rainha sempre a colocaram em evidência.
imagem: filme Maria Antonieta
A rainha usou o seu estilo para aparentar estar sempre no topo, enquanto a sua vida pessoal estava sendo motivo de conversas, já que com sete anos de casamento, Maria Antonieta ainda não havia conseguido dar um herdeiro para a França. Com isso, a sua escolha de roupas e acessórios pode ser vista como um ato político, por trazer uma ideia de pertencimento. Com a sua extravagância, ela conseguiu se firmar como pertencente à monarquia, se separando assim da plebe.
Jacqueline Kennedy
Agora vamos mudar de continente e falar sobre um ícone americano, a primeira-dama Jacqueline Kennedy, ela que lançou o conceito “diplomacia de guarda - roupa'', e foi responsável por elevar o nível da moda Americana, mirando sempre no estilo europeu da época.
O presidente John F. Kennedy foi eleito em 1960, e é conhecido como um dos presidentes mais famosos dos Estados Unidos, mas a sua esposa nunca ficou para trás em termos de fama. A primeira-dama ficou famosa por usar apenas estilistas americanos e abusar do conceito “Democracia de guarda-roupa”, sempre tentando escolher suas roupas respeitando a cultura do local onde estava. Um exemplo disso foi a escolha feita por ela em uma viagem à Índia, onde Jacqueline usou apenas tons de rosa porque, Diana Vreeland, diretora da Harper’s Bazaar, disse que o “cor de rosa é o azul marinho da Índia”.
Zuzu Angel
Na década seguinte, a estilista brasileira Zuzu Angel ficou conhecida no mundo todo, quando fez um desfile nos Estados Unidos denunciando a ditadura brasileira, enquanto ainda lidava com o luto pela perda do seu filho, Stuart Angel, torturado e assassinado.
O desfile aconteceu em 1971 e trazia em suas peças desenhos de canhões, tanques de guerra e pássaros enjaulados. Zuzu ficou conhecida como um dos grandes nomes da resistência à ditadura por sempre denunciar o que acontecia no Brasil à imprensa internacional.
imagem: memórias da ditadura
Cinco anos depois, em 1976, ela morreu em acidente automobilístico no Rio de Janeiro. Só em 2020, mais de 40 anos após a sua morte, os agentes da ditadura foram responsabilizados pelo assassinato da estilista.
Michelle Obama
Entrando no século XXI, é impossível falar sobre moda política sem citar Michelle Obama, a primeira-dama ajudou vários estilistas pequenos, americanos e do resto do mundo. Sem contar que sempre faz escolhas impecáveis quando o assunto é usar o look certo na ocasião certa. Um exemplo foi o vestido escolhido para usar em um encontro com Melania Trump, esposa do então candidato à presidência dos Estados Unidos. Michelle escolheu um vestido roxo assinado pelo estilista Cubano, Narciso Rodriguez, uma referência direta à xenofobia de Donald Trump.
Imagem: White House/Reprodução
Além disso, a ex-primeira-dama é uma das queridinhas da editora chefe da Vogue Americana, aparecendo em mais de uma ocasião na capa da revista e sendo elogiada por Anna Wintour diversas vezes. A mais marcante foi quando foi perguntada durante a sua participação no podcast “The Economist Asks” em 2018, sobre a sua opinião a respeito da primeira-dama, ao que Anna respondeu “Eu acho que a primeira-dama Michelle Obama era realmente incrível em cada decisão que ela tomou sobre moda. Ela ajudava estilistas americanos e do mundo inteiro. Ela foi a melhor embaixadora que esse país poderia ter em diversas maneiras, não só para a moda”. Quando o entrevistador afirmou que Michelle não era mais a primeira-dama e sim Melania Trump, a editora-chefe só disse “Para mim, Michelle é o exemplo que admiro”.
Ronaldo Fraga
Essa relação entre moda e política pode dar muito certo, se feita da maneira correta, mas em contrapartida, se realizada erroneamente, pode até acabar com a carreira de alguém. Um exemplo seria Ronaldo Fraga, estilista brasileiro conhecido por suas tentativas de fomentar debates e reflexões a respeito de temas sociopolíticos por meio de seus trabalhos. Mas que errou em sua coleção desfilada no São Paulo Fashion Week de 2019.
Ronaldo retratou as obras encontradas na sede da ONU, trazendo para temas brasileiros, como a violência contra índios, negros e gays. No meio desse desfile, vários modelos entraram com roupas estampadas com o rosto de Marielle Franco em meio a alvos e tiros. Mas a critica ao assassinato de Marielle não foi bem recebida pelo público.
Imagem: Agência Fotosite
A irmã de Marielle, Anielle Franco, comentou na publicação do próprio evento: "Alguém falou com algum membro da família pra usar a imagem dela assim? Não que eu, irmã, saiba! Parem de tratar a morte de uma mulher negra como objeto, como marketing ou afins! Apenas parem! Quem tá lucrando com isso? Quem ganha com isso? Hipócritas! Como se importassem com as vidas negras ou a da minha irmã!”.
Erros como esse são comuns, a verdade é que em situações como essa é necessário questionar se aquilo que estamos vendo realmente se encaixa em um estilo de moda político, onde há a intenção de ajudar uma causa e fomentar um debate, ou se é apenas uma militância vazia com o intuito de ganhar dinheiro em cima do sofrimento alheio.
Nós no lugar de consumidores e apreciadores de moda, temos que analisar tudo que consumimos, sabendo sempre se estamos dando espaço para criadores e políticos com os mesmos ideais que defendemos.
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